Chuva e manhãs na machamba
Chuva. O cheiro a terra molhada, o som da água a bater nas folhas e nas chapas de zinco, as gotas que escorrem pelos fiapos de capim à entrada da palhota, tudo muda com a chuva. Pela primeira vez desde que cheguei, presencio uma chuva boa e demorada. Se pensarmos que estamos na época das chuvas, podemos ter uma noção do clima de seca que se tem vivido. Dias de um calor sufocante e humidade muito grande que, em poucos dias, queimam totalmente as folhas viçosas do milho e os pés de feijão nyemba que começam a crescer. Nas últimas manhãs tenho à machamba colher amendoim, mafurra, caju e mangas. Bem, na verdade, parte destas últimas são comidas à sombra da árvore, quando o calor começa a apertar. O que, na verdade, significa que já são 9 horas da manhã. Um dos dias fui sozinho, e apareci de surpresa junto da mamã maria, a minha mãe, que estava a tirar amendoim.
Ontem fui com a mana Alzira (ok, não tão cedo como devíamos, porque acordei tarde, depois de uma noite mal dormida porque um dos vizinhos que regressou da África do Sul teve a simpática ideia de colocar, durante toda a noite, a música muito além do nível de ruído aceitável, quer para os nossos ouvidos, quer para as colunas).
Aprendi já a apanhar o amendoim e a ver quais os pés que já estão prontos. Pareço um profissional na matéria, mas tenho de admitir que é muito fácil: as plantas cujas folhas inferiores estão amareladas são as que estão com o amendoim maduro. E pronto. Depois de ficarmos à sombra de uma antiga mafurreira, a tirar os amendoins das plantas, apanhamos mafurra: eu, para comermos, e a mana Alzira, para fazer óleo. Caju, este ano há muito pouco, o que significa que vamos ter pouca castanha e pouco sumo. Felizmente, temos tido sempre fruta suficiente para fazer um pouco de sumo de vez em quando. O bom da festa é apanhar as últimas mangas que ainda restam nas árvores, e ficar a comê-las debaixo da árvore até ficarmos saciados de tanto doce. Pena que a época das mangas está no final… A machamba da família, como quase todas as da aldeia, fica a cerca de 20 minutos a pé aqui de casa. Até lá, atravessamos algumas outras machambas, casas, e uma boa parte de mato cerrado. Quando regressamos, o calor húmido do final da manhã queima o corpo, e o barulho das cigarras atinge o limite da paciência de qualquer um. Felizmente chegou o tempo de trabalhar nas tarefas de casa, uma realidade que veio com o tempo e com a crescente familiaridade. É certo que hóspede não trabalha, mas eu não estou como hóspede, e já consigo participar mais nos trabalhos de casa. Agora é uma boa época para isso, porque é o tempo de colher o amendoim que já está maduro, e apanhar grandes quantidades de mafurra.
No dia 19, como havia aniversário aqui em casa, fizemos bolos. Mana Alzira e mana Rosinha ensinaram-me como se coze um bolo em lume de chão. É uma ideia engenhosa: coloca-se a forma dentro de uma panela grande, com um terço da altura cheia de areia. Tapa-se a panela e colocam-se alguns galhos em brasa na tampa, que fazem a vez do programa de calor multidireccional dos fornos eléctricos. Coze-se em lume brando, e a areia quente dá uma cozedura lenta mas muito boa. Se quisermos que o bolo fique um pouco mais tostado em cima, basta aumentar a quantidade de brasas na tampa da panela. E assim fizemos 3 bolos, sendo o primeiro um círculo de massa queimada, e os dois seguintes um regalo para os olhos. Não é fácil acertar com a quantidade de lenha para a massa cozer bem sem se queimar. O truque é ter a areia já quente quando colocamos a forma na panela.
Muita coisa se vai aprendendo por aqui… Falta falar das festas de Natal, almoços, convites, celebrações, etc…Mas isso fica para a próxima. Vou comer mais duas mangas bem maduras.